A velha rede de distribuição está mal preparada para lidar com as oscilações constantes entre oferta e procura de energia eléctrica porque não foi concebida para ir recebendo novos recursos energéticos, ao longo da cadeia de funcionamento, e para gerir toda a informação que daí resulta em tempo real, optimizando fluxos de energia, como se tomou necessário agora quando o enquadramento legal passou a permitir que cada cidadão assumisse o papel de produtor de energia, usando o sol, a água ou o vento como matéria-prima.
As smart grids, por seu lado, encaixam neste cenário e permitem uma lógica de monitorização de toda a rede, através de sistemas de sensores que asseguram a tal informação em tempo real, necessária para garantir um constante balanceamento de cargas e a prevenção de avarias.
A bidireccionalidade da rede inteligente permite a reacção imediata às acções dos consumidores e produtores, sempre que é injectada energia na rede ou é solicitado um aumento de potência, por exemplo. Para o consumidor, dar inteligência à rede eléctrica também traz vantagens, que em termos de poupanças podem ser relevantes.
Os contadores inteligentes substituem os contadores tradicionais. A monitorização dos consumos pode ser feita com base em leituras reais e a informação sobre equipamentos que mais consomem fica disponível, dando ao cliente um papel activo na eficiência energética lá de casa e ao operador a capacidade de lhe oferecer constantemente produtos mais adaptados ao seu perfil.
As mudanças introduzidas com as smart grids são muitas e o investimento necessário para as assegurar também. Estimativas europeias indicam que dar inteligência aos sistemas de mediação do consumo energético (smart meters) na região é tarefa para custar qualquer coisa como 40 mil milhões de euros. E claro está que esta é apenas uma parte do investimento necessário, como também é apenas parte da oportunidade, que a mudança representa para o sector das tecnologjas de informação, hoje ainda com um peso relativamente reduzido naquela indústria.
A Novabase é uma das empresas portuguesas que ocupam uma posição que se antevê de enorme potencial. Luís Quaresma, administrador da tecnológica nacional, vê nas smart grids «uma das principais áreas de crescimento no médio prazo». O responsável acredita, aliás, que esta área tem para uma empresa como a Novabase «um potencial comparável ao de mercados mais maduros, como os serviços financeiros, administração pública ou telecomunicações».
Luís Quaresma reconhece que nos últimos anos o mercado eléctrico manteve-se muito focado nos desafios da liberalização e da introdução de concorrência. Mas hoje centrase claramente noutro tipo de desafios, como a «energia limpa, utilização eficiente e transformação da relação com o consumidor, através de novos serviços e envolvendo-o enquanto agente da mudança». O mesmo responsável considera que «esta sofisticação do mercado vai requerer nova tecnologia e representa uma excelente oportunidade para empresas que sejam capazes de conjugar um know-how profundo em sistemas energéticos, de informação e de comunicação».
No caso da Novabase a oportunidade é explorada numa perspectiva de integrador das tecnologias que se irão combinar para permitir a operação e controlo da rede eléctrica, ofertas de novos produtos e serviços e novas formas de interagir com o cliente.
A empresa age em tomo de três eixos que privilegiam a aquisição de activos especializados, investimento em I&D e estabelecimento de parcerias, como a que anunciou com a Current, em Maio passado, para distribuir as soluções da empresa em Portugal. Projectos também já existem alguns, nomeadamente com a EDP, que se assume como o grande motor do conceito em Portugal.
A EDP anunciou o projecto InovGrid em Outubro de 2007, associado a um investimento de 70 milhões de eutos que, até 2010, levaria a rede eléctrica à sua quinta geração - pronta para responder ao desafio das renováveis, microgeração e eficiência - e dotaria cerca de 200 mil residências de sistemas inteligentes de contagem do consumo energético. Os timings deslizaram, mas hoje o projecto já está no terreno. No ano passado, decorreu uma fase de testes, com 600 contadores inteligentes (Energy Boxes) e, em Fevereiro de 2010, foram detalhados os planos para a primeira cidade smart do País: Évora, onde vão ser instalados quase todos os 50 mil contadores inteligentes que fazem parte da primeira fase do projecto liderado pela eléctrica.
Na cidade alentejana serão instalados 35 mil Energy Boxes. As restantes 15 mil vão para Lisboa, Viana do Castelo e Cantanhede.
A fase seguinte do projecto decorre entre este ano e o próximo, aumentando para 600 mil o número de contadores residenciais instalados. Até 2017 os seis milhões de clientes da EDP deverão estar cobertos pela alteração, ganhando acesso a informação mais precisa sobre o seu consumo energético e a possibilidade de agir em função disso. Por exemplo, alterando a potência contratada, o tipo de contrato ou as horas de funcionamento de um dispositivo eléctrico de consumo mais exigente, na sequência da análise gráfica da informação gerada, que o sistema vai permitindo online.
O potencial do sistema é conhecido e está bem detalhado pela EDP, também contactada pelo Semana para participar neste artigo, mas ainda não há dados que permitam perceber, no terreno, quais as principais vantagens resultantes da sua utilização. A Logica - que a par do INESC Porto (que fornece expertise nos domínios dos mercados de electricidade, da microgeração e da gestão e optimização da exploração de redes eléctricas), da Efacec (com competências nas áreas de automação e gestão de redes de energia) e da Janz (que desenha e fabrica equipamentos e sistemas na área da contagem e gestão de energia) - é uma das parceiras do consórcio InovGrid. Responsável pelo sistema de informação que dá suporte ao projecto, a empresa explica que a «InovCity está ainda numa fase de instalação e roll-out e que só depois desta fase de instalação, com a respectiva fase de monitorização e análise, a EDP poderá apresentar os primeiros resultados».
O InovGrid, que fez nascer a primeira SmartCity da Península Ibérica é um dos projectos que o grupo britânico - que há alguns anos absorveu as tecnologias de informação da EDP, a Edinfor - suporta no centro de competências que mantém em Portugal.
O International Utilities Competence Center foi inaugurado em Abril para prestar assistência na área da electricidade, água e gás aos clientes da empresa na Europa, Américas e Oceânia e vai desenvolver e exportar as soluções da Logica para todo o mundo, a partir de Sacavém.
«Este centro é o único deste tipo no País e nos vários países onde a Logica opera, pelo que coloca Portugal na rota do desenvolvimento e exportação de soluções integradas para as utilities, tanto no sector publico como no privado, reunindo um conjunto de demonstrações de tecnologia de vanguarda para os sectores da electricidade, água e gás, integralmente desenvolvidas em Portugal», defende José Antunes, responsável pela área de Smart Grids e Energias Renováveis da empresa.
De acordo com o mesmo responsável, as soluções em questão envolvem competências nas áreas de contagem inteligente (Advanced Metering Infrastructure) e sistemas de redes inteligentes (smart grids), Gestão de Parques Eólicos, Sistemas de Informação Geográfica, Gestão de Activos e Sistemas de Medição e Facturação.
Com anos de experiência no sector e 400 colaboradores dedicados à área em Portugal, a Logica está entre as empresas que podem potenciar negócio ao tecido empresarial português com competências nesta área e preparado para responder às necessidades que esta grande mudança vai impor a vários níveis. Na verdade já está a fazê-lo através de parcerias e prémios que dão visibilidade internacional a estruturas nacionais como a ISA.
Nascida de um spin-off da Universidade Coimbra, a empresa foi recentemente seleccionada pela multinacional como finalista portuguesa do Programa Global Innovation Venture Partner, uma iniciativa que em 2010 chega à terceira edição e que tem como objectivo distinguir PME inovadoras. O vencedor do concurso ganha direito a trabalhar com a Logica no desenvolvimento de soluções e serviços e terá acesso aos recursos de vendas globais da consultora, apoio na comercialização e a oportunidade de trabalhar com os seus clientes.
Embora uma parte significativa do negócio da ISA seja realizado fora de Portugal - cerca de 70 por cento -, a empresa também tem lançado internamente diversos produtos potenciadores de uma maior eficiência energética, em edifícios ou nas próprias residenciais, enquanto fornecedora de equipamentos para smart homes. Tem agora em fase de lançamento o iMeterKit, apresentado durante a conferência de Copenhaga, que se realizou no ano passado.
A solução põe à disposição de qualquer consumidor a possibilidade de fazer uma gestão mais eficiente da energia eléctrica consumida, ainda antes que o operador eléctrico faça chegar essa mudança a sua casa. «Trata-se de um kit de monitorização energética, fácil de instalar pelo próprio utilizador, que permite ao consumidor comum conhecer os seus consumos em casa em tempo real, de forma muito intuitiva, através de um mostrador digital portátil e sem fios, e de um portal na Internet, o EnerBook», explica Ana Meleiro, do gabinete de Comunicação e Marketing da empresa.
«Estas interfaces permitem guiar os consumidores segundo estratégias de poupança, numa lógica de identificação das fontes de desperdício e da gestão dos gastos, com vista a promover a eficiência em casa», acrescenta.
Tendo em conta os dados apurados junto de quem já utiliza o iMeterKit, Ana Meleiro assegura que «muitos conseguiram já poupanças de 15%, o que pode ser muito significativo no orçamento de algumas famílias». Segundo ela, «a partir do momento em que há a concreta noção de que a utilização de luz e de equipamentos como o ar condicionado geram efectivamente consumos e despesa, haverá certamente uma outra atitude perante a gestão de consumos de uma casa».
Tal como a ISA, que nos últimos anos tem alinhado a especialização nas áreas de eficiência energética da telecontagem multiutility com as oportunidades que o mercado vai criando, muitas outras empresas nacionais estão a fazer o mesmo. Misturam o esforço interno de I&D com a participação em diversos projectos internacionais, muitos deles financiados pela Comissão Europeia e que se espera contribuam para atingir a meta de redução do consumo energético em 20 por cento até 2020. Várias plataformas se têm alinhado para o conseguir, como o programa de Investigação, Desenvolvimento e Demonstração European Electricity Grid Initiative, a decorrer entre 2010 e 2018.
E é também por isso que alguns dos principais actores deste mercado acreditam que, como já aconteceu noutras áreas, Portugal terá todas as condições para formar um cluster de empresas nesta área, capaz de responder a muitas necessidades nacionais e exportar tecnologia portuguesa. Há mesmo quem acredite que isso já está a aconteceu «Os vários projectos que se estão a desenvolver em Portugal nesta área vão permitir e necessitam da participação e cooperação de várias empresas portuguesas», constata José Antunes. «A atenção com que alguns destes projectos já estão a ser seguidos a nível internacional evidencia elementos diferenciadores e oportunidades que poderão e deverão, com persistência e as apostas correctas, permitir a sua replicação fora do País», acrescenta.
Na perspectiva do mesmo responsável da Logica as grandes oportunidades para que as empresas ligadas às Tl agarrem a oportunidade de aumentar o peso do sector no negócio da electricidade estão identificadas.
«As smart grids e os vários vectores de desenvolvimento que lhes estão associados, áreas como a microgeração, a gestão da provcura de energia (demand side management), os veículos eléctricos ou a eficiência energética, são de grande potencial de crescimento.
Existem excelentes oportunidades para empresas portuguesas de vários sectores se afirmarem e desenvolverem», afirma José Antunes. Luís Quaresma, na Novabase, partilha a opinião e defende que o movimento já começou. «Dado que o ponto fundamental é o cruzamento de know-how de sistemas de energia, informação e comunicações, a agregação de competências especialistas de diversas áreas e empresas é fundamental. De facto, pensamos que isto já está a acontecer no terreno», olhando para o mercado nacional, nota aquele responsável.
Mas a oportunidade das smart grids é, como revelam diversos estudos, uma oportunidade de negócio global e central nas metas traçadas pela generalidade dos países relativamente à redução dos gases com efeito estufa e às melhorias no que toca à eficiência energética.
A conclusão saltava à vista no Reducing Greenhouse Gases Through Intense Use of Information and Communication Technology, apresentado pela IDC no passado mês de Março. O relatório mostra que o uso intensivo das TI pode ter um papel decisivo no combate ao aquecimento global, suprimindo a emissão de 5,8 mil milhões de toneladas de CO2 para a atmosfera até 2020.
Nas quatro grandes áreas analisadas - distribuição e geração de energia; construção, transportes e indústria - conclui-se que «a energia é a que apresenta maior potencial de redução de emissões através da utilização de redes energéticas inteligentes ('smart grids), para a total integração de fontes de energia renovável altamente distribuídas».
Os gigantes do sector sabem disso e, tal como acontece à escala nacional, posicionam-se de modo a terem uma palavra a dizer nesta transformação a nível global. Nomes como a Siemens - que assinou com o Estado português um protocolo relacionado com o projecto do carro eléctrico recentemente -, a Cisco ou a IBM têm investido no desenvolvimento de uma oferta que as tome parceiras privilegiadas dos operadores eléctricos.
A Cisco anunciou não há muito tempo que nos próximos 12 a 18 meses pretende assegurar uma oferta completa para a área das smart grids. Joel Curado Silveirinha explica porquê. «A Cisco quer ter um papel de relevo junto do sector energético com as suas novas soluções smart grid, pois existem oportunidades a explorar, com a implementação de tecnologia IP na rede eléctrica».
Como sublinha o customer service specialist e green ambassador da Cisco Portugal, «a gestão de redes a nível IP, com a implementação de soluções de routing e switching nas subestações de electricidade, permite uma melhor gestão e eficiência eléctrica, assim como a integração de equipamento de medida e de segurança da rede eléctrica». E é aí que a empresa quer estai; que através de parcerias estratégicas com empresas de distribuição eléctrica quer, numa fase posterior, com empresas de retalho, para assegurar a distribuição de soluções para o consumidor.
Entretanto, a Cisco já está a trabalhar numa oferta smart grid com estas duas vertentes: distribuidores e consumidores. A pensar nas empresas de distribuição de electricidade, a empresa norte-americana está a desenvolver o connected grid router e switcb solution, que permite a captura e análise de dados da rede eléctrica e de subestações.
A ideia é conseguir uma melhor gestão da energia, integração de fontes alternativas de energia, detecção e correcção de falhas na rede e providenciar melhor segurança. Numa frase, potenciar a lógica de smart grid.
Para o mercado de consumo, a Cisco desenvolveu a Cisco Home Management Solution. Através de uma solução wireless, o utilizador irá usar um controlador para obter informações de smart meters, aplicações e termostatos inteligentes. «O controlador, com uma interface touch screen de fácil utilização, permite verificar o consumo e gerir equipamentos ligados á rede de modo a optimizar a sua utilização e a reduzir o consumo energético», explica Joel Silveirinha, acrescentando que é expectativa da empresa contribuir com esta solução para a diminuição de 10 por cento do consumo energético de uma habitação.
A solução ainda não está disponível para o mercado português mas já estão a decorrer ensaios técnicos em cooperação com entidades nacionais, assegura a mesma fonte. Outro gigante que há muito projecta um papel central no desenvolvimento de smart grids é a IBM. A big blue começou a trabalhar nesta área em 2004. Foi nesse ano que assinou o primeiro acordo global para a instalação de contadores inteligentes com a ENEL (distribuidora eléctrica italiana). Dois anos mais tarde, «identificámos as smart grids como tópico de investimento para a IBM (intelligent utility network) e a companhia começou a preparar-se para esta transformação utilizando algumas das empresas de software que adquiriu, como, por exemplo, a FileNet, MRO (que detinha o Maximo), ISS e MicroMuse», detalha António Pires Santos, responsável de negócio da IBM para as empresas de Utilities públicas na Europa do Sul e Oeste. A empresa criou entretanto dois laboratórios para soluções de energy e utilities, uma rede de parceiros para a indústria e fez um investimento de 100 milhões de dólares para montar uma estratégia.
Hoje, mantém uma oferta onde cabe uma ferramenta da benchmarking para a indústria, que se designa por smart grid maturity model e que afere o nível de maturidade das empresas na adopção das melhores práticas nesta área. Dispõe igualmente de uma arquitectura de software e processos que permite a adopção soluções predefinidas para áreas como as de segurança, monitorização, conservação de energia, veículos eléctricos, contadores inteligentes, entre outras.
Em todo o mundo a IBM soma actualmente três mil profissionais a trabalhar na área. Na Europa e Estados Unidos, a empresa participa em vários projectos, industriais e de I&D. Em Portugal, está menos adiantada mas, como diz António Santos, está também disponível para «colaborar em projectos nacional existentes ou que venham a surgir, podendo também colaborar na internacionalização de soluções inovadoras desenvolvidas em Portugal».
Se dúvidas existissem a empresa é mais uma na corrida por um lugar num mercado que ao longo dos próximos cinco anos criará oportunidades de negócio no valor de 30 mil milhões de euros.
Semana Informática, 23 de Julho, 2010
02 agosto 2010
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