A casa que gira com o sol

O conceito 

Este conceito de sustentabilidade é a chave deste projeto "cem+nem – casas em movimento" que "assenta na capacidade de interagir com a envolvente e com as variações de luminosidade ao longo do dia", pode ler-se na memória descritiva. Esta é a base da inovação do projeto: os movimentos de rotação dos painéis e da própria casa, em função do percurso do Sol. À semelhança de um girassol, a casa, com propriedade intelectual e industrial, rodará aproximadamente 180" de nascente para poente. Os referidos movimentos combinados de rotação necessários, além de responsáveis pela sustentabilidade da própria casa - no sentido de garantir um melhor aproveitamento de luminosidade no interior, maiores ganhos energéticos a nível térmico e maior produção de energia elétrica - também são encarados como geradores de novos espaços interiores e exteriores.

São movimentos simples aproveitados de forma passiva mas, conjuntamente, este conceito natural de fototropismo permite "ter ganhos térmicos, ou seja, produzir, durante o verão, sombra na fachada e, durante o inverno, pelo contrário, deixar que o sol incida sobre a fachada", explica o mentor do projeto, Manuel Vieira Lopes, em jeito de "analogia à árvore de folha caduca que em função da estação do ano filtra a luz". 

Além do conceito de sustentabilidade, o projeto "casas em movimento" também tem patente o conceito evolutivo, ou seja, "é uma casa modular que permite crescer e diminuir em função das necessidades da família", revela o arquiteto. Esta casa admite aumentos e reduções de área, variando as dimensões, numa atitude de adição e subtração de módulos, que permitem concretizar o propósito da reutilização de estruturas modulares, dando assim prioridade ao cumprimento dos conceitos de construção", lê-se na memória descritiva. Desta forma, esta solução também permite que, se a família mudar de local, a casa vá com ela.  

O processo de rotação está pensado para ser automático, "tem uns sistemas de sensores para perceber onde é que está o Sol e, assim, fazer esses dois movimentos combinados", refere o arquiteto, Manuel Vieira Lopes. É por isso, que, em termos de organização espacial, haja também uma mutação de espaços, ao longo do dia, "em função das rotinas associadas da família. É uma casa que se adapta às necessidades da família e não o contrário", afirma o autor do projeto. Por exemplo, a cozinha à hora do almoço está virada a norte e ao final do dia funde-se com a sala, quando a família faz as refeições em conjunto, facilitando o convívio.

Há também paredes amovíveis, assim como todo o mobiliário - todos os móveis têm mais que uma função. "É fazer mais com menos", diz Manuel Vieira Lopes, acrescentando que "também há um aproveitamento de inércia, convertendo um espaço de dormir num espaço de trabalho". Além do mais, a casa pode ser personalizada a muitos níveis e permite ser implantada em qualquer lugar do mundo. Quer isto dizer, que uma família pode adquirir a casa e fazer-lhe consecutivos upgrades consoante as suas possibilidades económicas, e consoante a poupança relacionada com os ganhos térmicos e a própria receita dos excedentes energéticos permitida pelos painéis fotovoltaicos. "Esta casa produz duas vezes e meia mais da energia que necessita, já incluindo os gastos de rotação: o consumo de rotação da pala é inferior ao de um ferro de engomar e o consumo de rotação da casa ainda é mais baixo, equivale ao consumo de um candeeiro de seis lâmpadas de 60 watts ligado apenas uma hora", revela o arquiteto.  

Mas embora o sistema de rotação do projeto "casas em movimento" tenha sido desenvolvido para, idealmente, acompanhar o sol e, assim, não perder rendimento na produção energética, os movimentos podem ser controlados pelo proprietário. "Um dos parceiros empresariais do projeto, que está a estudar o desenvolvimento em termos de domótica, sugeriu que a casa seja entendida como um elemento da família que possa interagir com ela e, no limite, permitir que essa rotação seja feita pelo proprietário". 

Percurso e provas de conceito 

O conceito destas "casas girassol" nasceu em 2008 no âmbito do projeto Lidera da Universidade do Porto. Foi constituída a spin-off "casas em movimento" e uma equipa multidisciplinar de alunos para responder a todas as solicitações no âmbito do protocolo estabelecido com a universidade da cidade invicta. O professor Barbudo Magalhães, além de aconselhar o mentor do projeto ao registo da patente e da marca, também fez a ponte entre Manuel Vieira Lopes e o Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial (INEGI) "que está a desenvolver o sistema de rotação, a estrutura que sustenta os painéis fotovoltaicos e o próprio chassi". A partir daí, constitui-se uma ampla equipa, composta por entidades do sistema científico e tecnológico para o desenvolvimento do projeto e realização de estudos especializados, formada pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores do Porto (INESC TEC), Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LIMEG) e pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). 

A ideia de submeter a candidatura à Solar Decathlon Europe 2012 surgiu deste encontro de sinergias e o resultado não podia ser melhor: o projeto "cem+nem - casas em movimento" é um dos 20 estudos selecionados a nível mundial presentes do evento que estimula a investigação e desenvolvimento de casas eficientes. O protótipo será montado em Madrid no próximo mês de setembro e contará com a presença do arquiteto Eduardo Souto de Moura que considera este projeto uma "solução à Souto Moura" e, por isso, vai apoiar esta obra nas olimpíadas da habitação energeticamente sustentável. A intenção do arquiteto é mostrar outros recursos do país, nomeadamente os revestimentos da casa em cortiça, o pavimento exterior em calçada portuguesa. Para rematar, este ambiente de "é uma casa portuguesa com certeza". Manuel Vieira Lopes pondera convidar um fadista "que mostre e divulgue as nossas origens e o nosso fado", revela. 

Na Solar Decathlon Europe 2012 será efetuada a 1ª prova de conceito, um upgrade do movimento da pala, aumentando em 20 por cento a produção de energia elétrica e reduzindo o consumo de 60 a 80 por cento na climatização da habitação. Depois em outubro a casa "CEM | SDE" desloca-se de Madrid para Guimarães, realizando-se, desta forma, a 2ª prova de conceito: se a família muda de local, a casa vai com ela. Por último, e a título permanente, o protótipo CEM | FAUP será implantado campus da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Aqui será efetuada a 3ª prova de conceito", um upgrade do movimento de rotação da casa, aumentando em 15 por cento a produção de energia elétrica e reduzindo o consumo de iluminação aproximadamente em 30 por cento. O protótipo funcionará como sede da spin-off "casas em movimento", tornando-se num "laboratório vivo". "Permite que as tecnologias desenvolvidas no âmbito académico com parcerias no âmbito empresarial tenham aqui uma aplicabilidade imediata e sirvam de montra para a apresentação pública dessas tecnologias, explica o arquiteto.  

O futuro das casas em movimento 

Se a ambição do mentor do projeto, Manuel Vieira Lopes, ainda não for evidente até agora, não restam dúvidas quando o arquiteto revela os planos e desejos para o futuro. Primeiro de tudo ganhar o prémio na Solar Decathlon Europe 2012, e seguidamente iniciar a comercialização e o licenciamento tecnológico com parceiros internacionais.

"É prematuro falar sobre os custos da comercialização desta solução de casas" uma vez que não podem ser contabilizados mediante o custo do protótipo. Depende também dos acabamentos, mas sabe-se que aquando de um processo de industrialização eles reduzem sempre para 50 por cento do custo do protótipo", explica o arquiteto. Para rematar as aspirações futuras para este projeto, as "casas em movimento" pretendem ser o primeiro aldeamento vivo no mundo. Um autêntico "campo de casas girassóis" que se movem consoante o percurso do sol. 

Uma forma de fomentar o ecoturismo, uma área em desenvolvimento que casa perfeitamente com o conceito do projeto "cem+nem - casas em movimento" que é facilmente resumido em quatro palavras: inovação, mobilidade, adaptabilidade, sustentabilidade. 

Casas e Negócios, 1 de julho 2012

30 julho 2012