- Como se potencia o crescimento da economia através da ciência e da tecnologia?
- As actividades de investigação científica têm como objectivo alargar as fronteiras do conhecimento numa dada área e permitem, muitas vezes, desenvolver tecnologias que antes não existiam – novas técnicas, métodos, fórmulas, algoritmos, processos, moléculas, etc. – para as quais se poderão encontrar aplicações concretas e úteis. Por outro lado, a utilidade de uma tecnologia no desenvolvimento de um produto ou serviço inovador com valor de mercado, porque resolve um problema ainda não resolvido ou preenche uma necessidade ainda não satisfeita, tem um enorme potencial de geração de novos negócios com valor económico e isso faz crescer a economia. Os negócios de alta tecnologia de dimensão global em áreas como a química, a farmacêutica, a biotecnologia, os semicondutores, a informática, os materiais, a aeronáutica, entre outros, são gerados por conhecimento e tecnologia desenvolvidos em laboratórios de investigação de universidades e empresas e é indiscutível o seu valor económico.
- Como podem a ciência e a tecnologia impulsionar a transformação do tecido económico?
- O tecido económico transforma-se fazendo evoluir as empresas e os negócios existentes – para melhorarem a sua oferta de produtos e serviços em custos, prazos e qualidade – e criando novas empresas e negócios, para oferecer produtos e serviços novos que possam ir ao encontro das necessidades emergentes do mercado, ou mesmo as antecipem. Os pressupostos comuns são mais qualificações, mais conhecimento, mais ciência e tecnologia mais inovadora.
No primeiro caso, as empresas existentes nos sectores ditos maduros procuram absorver tecnologia para melhorar os seus processos de fabrico e de negócio, os seus produtos e os seus serviços, tornando-se mais competitivas, ganhando quota de mercado e protegendo as margens. De facto, tornando-se melhores empresas, mais ágeis, mais dinâmicas e mais capazes de competir internacionalmente. Isto exige ainda mudanças organizacionais, de liderança e, muitas vezes, um reposicionamento estratégico. As próprias empresas transformam-se e o tecido económico evolui.
No segundo caso, do cruzamento de uma necessidade não satisfeita, de um problema não resolvido, com uma tecnologia com potencial de aplicação num produto e/ou serviço que vá ao encontro dessa necessidade ou resolva esse problema, surge uma nova oportunidade de negócio. Uma empresa existente ou uma nova empresa poderão explorar essa nova oportunidade e isso vai contribuir para a transformação do tecido económico.
Em ambos os casos, as qualificações exigidas pelas empresas aumentam significativamente e as novas empresas são organizações diferentes, com recursos humanos bastante mais qualificados e com muito maior capacidade competitiva.
- Como podem revitalizar-se sectores obsoletos da indústria com base no conhecimento desenvolvido nas universidades?
- Em primeiro lugar, é imprescindível fazer uma avaliação competitiva desses sectores ditos "obsoletos" e determinar quais as razões da sua obsolescência, isto é, se são os sectores ou se são as empresas e os seus produtos e tecnologias. Antes mesmo de um sector ou uma empresa pensarem em criar uma estratégia de inovação e as trajectórias tecnológicas que poderão estar ao seu alcance, eventualmente suportadas por conhecimento que vão buscar ao mercado – empresas, universidades institutos de I&D –, terão de desenhar a sua estratégia de negócio e definir o seu posicionamento no mercado. Só depois é que virá o trabalho de procura do conhecimento de que necessitam e de que não dispõem. Por exemplo, num mesmo sector, a competição pelo custo em produtos com escala exige geralmente plataformas tecnológicas muito diferentes da competição pela diferenciação em produtos de nicho.
- Em concreto, que papel tem desempenhado a transferência do conhecimento na modernização do sector do calçado português, líder mundial em vários nichos de negócio?
- Como se sabe, o sector do calçado tem sabido transformar-se e evoluir, alargando a cadeia de valor para incluir desenvolvimento tecnológico, de produto, de processo e até distribuição, diferenciando o produto e agilizando as empresas. Os números estão aí, com crescimentos sustentados em anos de crise, exportando quase tudo o que produz e aproximando o valor médio do par vendido dos valores dos líderes mundiais: a Itália.
Este sucesso, aparentemente recente, é o resultado de uma estratégia da Associação e do Centro Tecnológico do sector desenhada há quase duas décadas e persistentemente colocada no terreno, que passou por ir às universidades e centros de I&D buscar ajuda em termos de conhecimento e tecnologia em áreas como materiais, sistemas de CAD, sistemas de corte optimizado por jacto de água, transportadores automáticos, sistemas de planeamento e gestão da produção, logística, etc. Deste esforço resultou, por exemplo, um cluster de bens de equipamento para o fabrico de calçado com tecnologia portuguesa que exporta para vários países do mundo.
- Que outros sectores podem ser aposta de futuro?
- Diria que são, já neste momento, aposta de futuro, as empresas do têxtil e vestuário, máquinas eléctricas, componentes para a indústria automóvel, moldes, máquinas ferramenta, software, energia, etc., que apostaram na diferenciação pela tecnologia, design e/ou serviço inovadores. Em outros sectores, como por exemplo a biotecnologia, os dispositivos médicos ou materiais avançados, existe um enorme potencial em alguns nichos e esperemos que as apostas que estão a ser feitas possam vir a ser apostas ganhadoras.
- Que trabalho tem a UTEN vindo a fazer na ligação entre a Universidade e a indústria?
- A ligação entre a universidade e os institutos de investigação e as empresas, industriais ou outras, tem de ser suportada por relações contratuais que salvaguardem os interesses das partes quanto a um número de aspectos relevantes e complexos, muitas vezes ignorados tanto pelas empresas como pelas universidades. Contratos para projectos de I&D em consórcio, frequentemente com diferentes parceiros, como empresas fornecedoras de tecnologia, empresas utilizador final, universidades e centros de I&D; contratos de licenciamento de tecnologia ou venda para empresas existentes ou novas empresas spinoff; projectos com apoios públicos provenientes do FEDER e/ou do OE; etc., são situações distintas nas quais é muito importante assegurar a defesa dos direitos das diferentes partes envolvidas, assim como dos investigadores/inventores que neles participam.
O Programa UTEN apoia a formação internacional dos técnicos das universidades e laboratórios de I&D responsáveis por esse trabalho de negociação e contratação, não só promovendo em Portugal seminários e módulos de treino com especialistas internacionais, como apoiando estágios em instituições nos EUA e na Europa com vasta experiência nestas matérias. Nos últimos quatro anos, dezenas desses técnicos foram envolvidos nas diferentes actividades de formação especializada, dispondo hoje em dia o país de competências de enorme valia nestas áreas.
- O que ganha a universidade com o fortalecimento do tecido empresarial?
- Um tecido empresarial forte e sofisticado gera mais valor económico e paga mais impostos, contribuindo para que o Estado possa financiar melhor as universidades, tanto na vertente de ensino como na de investigação. Por outro lado, as empresas desse tecido económico mais forte e conhecedor, para competirem globalmente, irão procurar com mais frequência as universidades, gerando parcerias de interesse mútuo e celebrando contratos para a realização de projectos de desenvolvimento científico e tecnológico, consultoria especializada ou licenciamento de propriedade intelectual que lhe sejam úteis. E isso é duplamente importante: traz receitas adicionais para a investigação e comprova a efectiva relevância social e o potencial impacto económico dessa investigação. Como muito bem lembra uma frase milenar de Confúcio, "A essência do saber está em, tendo-o, aplicá-lo".
Empreendedores, investidores e CEO, portugueses e estrangeiros, em conjunto com investigadores e profissionais em transferência de tecnologia, juntaram-se na 3.º Conferência Anual da UTEN Portugal para debater os cenários e os desafios que a crise financeira global coloca aos empreendedores de base tecnológica. A comercialização e a transferência de tecnologia têm um papel de importância crescente como agentes transformadores do tecido económico e social. Para além de estarem na origem do lançamento de start-ups de base tecnológica que geram emprego qualificado e aumentam as exportações, assumem-se como fonte de receitas para as universidades graças à contratação de actividades de investigação e desenvolvimento por parte do tecido empresarial.
UTEN e parcerias envolvidas
A Rede UTEN é composta por universidades e instituições científicas portuguesas que têm como objectivo converter a formação internacional em transferência e comercialização de tecnologia.
A UTEN é promovida pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), em estreita colaboração com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e desde 2010, pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.
A UTEN, enquanto rede de conhecimento, foi lançada em Março de 2007, em parceria com a Universidade de Texas, em Austin, no âmbito do programa international Collaboratory for Emerging Technologies (CoLab). Nos últimos quatro anos, a UTEN foi crescendo gradualmente, tendo beneficiado da ligação a outros parceiros internacionais, incluindo a Universidade de Carnegie Mellon (CMU), o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e o Instituto Fraunhofer.
A missão da UTEN consiste em construir uma rede de transferência e comercialização de tecnologia profissional, globalmente competitiva e sustentável, orientada para os mercados internacionais. Os programas e actividades realizados desde 2007 permitiram à UTEN tirar partido de e consolidar a rede de gabinetes de transferência de tecnologia portugueses emergentes. A formação especializada acelerou o desenvolvimento de uma rede profissional de TTOs (Technology Transfer Officers), em conjunto com a comercialização da ciência e tecnologia em mercados globais.
OJE, 24 de novembro de 2011
06 dezembro 2011
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