A EDP, cujo negócio principal é a venda de energia eléctrica, está a investir no projecto InovGrid, que promete reduzir a factura energética dos seus clientes em cerca de 20%. Parece contraditório, mas não é. Em vez de resistir à mudança, o operador de distribuição eléctrica preferiu antecipar a inevitável revolução tecnológica das redes eléctricas inteligentes («smart grids»), que vão chegar aos países da União Europeia (UE) nos próximos anos.
Mesmo perdendo algumas das potenciais receitas no imediato, a EDP prevê que o balanço será positivo, porque esta iniciativa irá permitir reduções significativas nos custos de manutenção da rede e nas perdas técnicas e comerciais.
Com efeito, o InovGrid enquadra-se numa mudança de paradigma no sector energético a nível mundial. “Todos nós, que até agora éramos meros consumidores passivos de energia, vamos poder passar a ter um papel activo na gestão dos consumos e até ser microprodutores de energia. O que vai subverter por completo a lógica da rede de abastecimento tal como a conhecemos”, afirma João Torres, presidente da EDP Distribuição.
Para além disso, o InovGrid pretende colocar Portugal na vanguarda mundial. Por exemplo, a Itália avançou com um projecto de telecontagem que está longe de ter a mesma abrangência e ambição do InovGrid - um projecto que transporta para a rede eléctrica alguns dos princípios de funcionamento das telecomunicações. Em vez de a energia fluir apenas no sentido dos produtores (barragens ou centrais térmicas ou eólicas) para o consumidor (como acontece actualmente), as redes inteligentes de energia, tal como a Internet, dão poder ao consumidor para que este possa injectar energia na rede (microgeração). E, quando há um corte num troço da rede, a comutação inteligente do InovGrid (tal como os «routers» na Internet) encaminha rapidamente a energia, por outro circuito, para onde esta é necessária.
Por outro lado, o projecto liderado pela EDP é uma iniciativa que se enquadra nos contextos europeu e nacional de sustentabilidade ambiental, apostas nas energias renováveis e liberalização dos mercados. Uma estratégia que implica a substancial renovação das redes e melhoria do seu modo de operação.
Daqui para a frente, as palavras de ordem, até por imposição da União Europeia, serão ‘Eficiência Energética’, em nome de um comportamento mais amigo do ambiente. Nesse sentido, Bruxelas avançou com a iniciativa ‘European SmartGrids Technology Platform’, com o objectivo de transformar redes eléctricas europeias à luz deste novo paradigma até 2020.
Mesmo antes do InovGrid, Portugal já se encontrava em linha com estas directivas da UE, nomeadamente através do novo enquadramento legislativo para o sector eléctrico, que já deu origem à introdução da microprodução (os primeiros clientes produtores entraram recentemente em campo), liberalização do mercado e compatibilização regulatória Portugal-Espanha no âmbito do MIBEL.
E, das duas uma: ou a empresa aprendia rapidamente a lidar com o novo cenário traçado pelos decisores políticos ou ficaria irremediavelmente ultrapassada.Ora, a EDP quer tudo menos isso. Assim sendo, decidiu avançar com o InovGrid, rodeando-se de parceiros tecnológicos de renome (Inesc Porto, Efacec, Janz e Logica).
Actualmente com dezenas de pessoas envolvidas, o protótipo do InovGrid está em fase de finalização e já implicou um investimento entre 8 e 10 milhões de euros.
O projecto-piloto deverá avançar para o terreno em 2009, para testar a solução em pequenas cidades e ambientes rurais, o que vai implicar investimentos adicionais. Se tudo correr conforme o previsto, os responsáveis da EDP prevêem que todo o país possa estar dotado com a nova tecnologia em 2014. Ou seja, seis anos antes do objectivo anunciado por Bruxelas. Segundo Paulo Pinto de Almeida, administrador da EDP Distribuição, o custo global de implementação do InovGrid no terreno deverá ficar entre os 100 e os 150 milhões de euros.
Para o consumidor, a adesão a esta nova solução de gestão eficiente dos consumos (e da microgeração, se for o caso) traduzir-se-á na aquisição de uma «energy box», cujo preço poderá oscilar entre os 100 e os 150 euros.
Com essa “caixa da energia”, o cliente poderá obter uma gestão muito mais eficiente dos seus consumos e atingir rapidamente poupanças de energia que se traduzirão numa factura menos pesada ao fim de cada mês. “Vamos conseguir consumir melhor e de forma mais eficiente”, afirma João Torres.
Mas, para que o InovGrid entre em funcionamento, terão de ser encaixadas mais duas peças do «puzzle»: a criação de um novo enquadramento regulatório por parte da ERSE adequado às redes inteligentes de energia e a participação activa da REN, que detém a infra-estrutura de transporte. João Torres mostra-se tranquilo, referindo que as entidades envolvidas e o poder político também estão sintonizadas com a ideia de que as redes inteligentes de energia são o futuro.
Além das vantagens imediatas de maior qualidade de serviço e aumento da satisfação dos consumidores, a EDP também pretende alcançar outra grande vantagem, numa estratégia de longo prazo: estar na vanguarda tecnológica. Tanto mais porque a tecnologia poderá ser um bom negócio para o «cluster» nacional, que poderá vender a solução noutros mercados a nível mundial. Espanha, onde a empresa já se encontra implantada na Hidrocantábrico, poderá ser o primeiro passo para a internacionalização. Paulo Pinto de Almeida diz que o projecto tem sido “altamente elogiado em fóruns internacionais”.
Operador da rede de distribuição
Consumidor/produtor
Regulador
Comercializadores
Economia
O paradigma energético do futuro vai assentar nas renováveis e no uso eficiente das redes de distribuição que terão mecanismos inteligentes de gestão da procura. Pelo seu lado, os consumidores serão mais informados e participativos, podendo até assumir-se como produtores de energia (microgeração)
1 - REDE DOMÉSTICA DE ENERGIA
Em casa de cada consumidor/produtor vai existir uma caixa de energia («energy box»), o verdadeiro cérebro da gestão doméstica da utilização da electricidade. Além de ser um sistema de telecontagem bidireccional - mede a energia que é gasta e a que é introduzida em microgeração -, permitirá ao consumidor ter uma participação mais eficiente no consumo energético, tal como a subscrição de novos tarifários (poderá beneficiar de planos de preços vantajosos a certas horas do dia ou da semana ou até da subscrição de pacotes pré-pagos). Uma opção útil, por exemplo, na segunda habitação. A «energy box» funcionará como uma rede local que presta serviços Web, domótica e facilita a gestão inteligente dos consumos (controlo de cargas) dos equipamentos domésticos. Através da telecontagem remota, os distribuidores medem a energia de forma mais correcta e podem informar os utilizadores ao longo do dia.
2 – HIDROELÉCTRICAS
As barragens continuarão a desempenhar um papel importante como fonte de energia. Além de serem renováveis, não emitem CO2 e entram em acção em poucos minutos, ao contrário das centrais térmicas.
3 - COMUTADORES INTELIGENTES
Grande parte da inteligência vai residir em caixas negras que vão estar nos cruzamentos da malha da rede eléctrica do futuro. Encaminham o tráfego de energia em função dos fluxos de consumo e de produção. Por exemplo, asseguram a entrada intermitente na rede de fontes de energia distribuídas (eólicas e a microgeração). Para os distribuidores, introduzem mecanismos de combate às perdas técnicas e comerciais.
4 – EÓLICAS
Continuarão a ser um dos pilares da actual aposta em energias renováveis.
5 - CENTRAIS TÉRMICAS
São poluentes, mas deverão continuar a existir, assegurando uma parte substancial do consumo energético. Com o projecto InovGrid, a EDP espera adiar investimentos, na medida em que passa a haver um melhor aproveitamento das capacidades actuais de produção e distribuição. Com participação activa dos consumidores, haverá um alisamento dos picos de consumo, o que se traduz em menos CO2.
O país tem uma oportunidade única de colocar investigação e indústria nacionais na vanguarda mundial
Depois de Portugal ter falhado sucessivamente as revoluções industriais e de ter chegado com algum atraso à Sociedade da Informação e do Conhecimento, eis que o nosso país está agora colocado na linha da frente da grelha de partida da corrida às redes eléctricas inteligentes. O mérito pertence à EDP Distribuição que decidiu constituir o consórcio em parceria com o INESC Porto, Efacec, Janz e Logica para desenvolver o Projecto InovGrid.
Considerado um dos projectos mais avançados do mundo, o InovGrid poderá colocar Portugal na vanguarda tecnológica de uma área de grande futuro. Como poucas vezes aconteceu na história, o país pode apanhar a crista de uma onda tecnológica e dar origem à criação de um «cluster» industrial com vocação exportadora.
Além da participação activa da EDP Inovação e da consultora portuguesa noLimits, o projecto-piloto (que estará no terreno no início de 2009) tem o suporte científico do INESC Porto e de nomes consagrados da indústria de material eléctrico (Efacec) e de fabricação de sistemas de contagem de energia (Janz). “Queremos perceber melhor quais são os os custos e os benefícios”, esclarece Paulo Pinto de Almeida, administrador da EDP Distribuição.
Por sua vez, a subsidiária portuguesa da Logica (ex-Edinfor) está a dedicar-se às componentes de «software» indispensáveis ao funcionamento integrado do sistema, designadamente as aplicações de facturação («billing») e apoio ao cliente («costumer care»). Mas, o entusiasmo em volta do InovGrid já passou fronteiras, sendo seguido com atenção pelo próprio presidente-executivo da Logica, Andy Green.
“Temos todas as condições para criar em Portugal uma fileira industrial ligada às redes inteligentes de energia porque temos a consciência de que estamos à frente de outros projectos que se preocupam sobretudo com a telecontagem”, afirma José Carlos Gonçalves, director geral da subsidiária portuguesa da Logica. E afirma que um dos principais traços distintivos do InovGrid é a sua visão integrada.
João Torres, presidente da EDP Distribuição, concorda que “as «smart grids» têm de ser vistas sempre de forma integrada, desde a subestação até ao consumidor final, já que a produção distribuída vem colocar desafios técnicos novos, que só são ultrapassados com mais inteligência na rede”.
Se tudo correr como o previsto, a Logica poderá expandir a equipa que está envolvida no projecto e criar em Portugal um centro de competência de «software» para as redes inteligentes de energia que irá prestar serviços a clientes da área de energia da multinacional britânica de serviços informáticos.
Carlos Zorrinho, coordenador do Plano Tecnológico, vê com bons olhos os esforços de modernização da rede eléctrica do InovGrid. “Portugal é um bom mercado de teste para tecnologias com vocação exportadora”, refere o responsável da Agenda de Lisboa. Mas prefere manter uma posição neutra em relação à liberdade de constituição de «clusters» nacionais neste domínio. Adverte contudo, que num país pequeno como Portugal “deve haver união de esforços no ataque a mercados externos”. E diz ainda que a questão das «smart grids» da energia faz parte do Plano Tecnológico para a Mobilidade Sustentável que o Governo vai avançar em breve.
Expresso, 23 de Agosto de 2008
23 agosto 2008
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